Conhecia Adélia Prado de alguns livros e sites de poesia, mas confesso que apenas procurei me inteirar de sua obra, após presenciar vários momentos onde Padre Fábio expressava em palavras e emoção a sua admiração pela autora mineira.
Na última sexta, durante a aula de cinema e literatura, durante a apresentação das sugestões de eventos culturais para o final de semana, um amigo trouxe-nos Adélia. Uma degustação literária com textos dela, aconteceria em um dos centros culturais do Rio... "A Carla gosta, professora!" já apontando outra amiga, como criança que quer constranger o colega...
Sorte que minha memória não estava lá tão mal assim... e mesmo dentro da minha timidez, atendi à solicitação da professora e falei alguns trechos que estavam em mim. A professora, inspirada, começou a lembrar de alguns... e eis que surge o nosso tema literário da semana... vida e obra de Adélia Prado. Incluindo um de seus textos, à nossa escolha, para recitarmos em grande estilo!
Fiquei emocionada e feliz... em ver como a vida é feita de tramas... de fios que, desconhecidos, se entrelaçam e formam um todo familiar que dá algum sentido ao nosso coração...
Ontem foi o dia de Adélia... por coincidência, no Centro Cultural da Justiça Eleitoral, que ocupou o antigo prédio que tanto conheceu meus passos de menina. Subi as escadas voltando no tempo, quando acompanhava minha tia em visitas saudosas ao antigo local de trabalho. Ela e minha avó haviam dedicado grande parte de sua vida àquelas salas... as imponentes pinturas de Antônio Parreiras as viram passar inúmeras vezes com seus cabelos impecáveis e saltos tagarelando alto no imenso pé direito que culmina numa cúpula, por onde entra, teimoso, o mesmo sol de outrora. Tudo revestia-se de um significado novo, maior.
Assim cheguei pra ver Adélia.... foi tão bonito que ela também teria chorado conosco ao ver a interpretação das jovens atrizes. Coloquei-me ao alcance de suas palavras e deixei-me render pela emoção...
Levei as impressões daquele momento durante o passeio pela orla de Copacabana... tanto, que ao passar pelo calçadão onde Carlos Drummond de Andrade sentava-se displicentemente em um dos bancos, quase pude ouvi-lo dizer: "Dê-me notícias... como vai minha menina fenomenal?"...
Mas a noite ainda não terminara e na mesma orla de Drummond, a poesia me alcançou novamente em forma de arte... uma amiga queria nos apresentar a um artista da feirinha do posto 5, Abdiá de Sá... e lá estava Deus e seus pequenos detalhes.
Do lixo, Abdiá faz poesia. Retira do ferro-velho, do entulho, a matéria prima de sua arte. O que é jogado fora, ele recolhe... e com suas mãos de artista e a sensibilidade de um poeta, transforma em arte e beleza...
Ele nos explica, com sua fala cheia de sabedoria, que um de seus "Dom Quixote" era diferente... era o maior de todos... este finalmente iria encontrar a Dulcinéia. Por isso, ao invés de um escudo, trazia na mão uma rosa e um pergaminho... onde ele havia escrito tudo o que sempre quis dizer à sua amada... Retirou o pergaminho de aço da escultura e colocou em nossas mãos: "Pesado, não é? É o peso de todo o amor que ele arrastou pela vida... ele tinha muito a escrever... as palavras pesam."
As palavras pesam. Pesaram as da Adélia. Pesaram as de Abdiá. Mas um peso que não cansa. Um peso que faz ficar em nós.
Voltamos em meu carro comentando a simplicidade e a emoção daqueles momentos. Após todos seguirem seus caminhos, segui o meu pensando... Meu Deus! Afinal, viver também não é isso? A poesia de um chuchu novinho e a arte que temos que fazer com o que foi parar no lixo??? Porque... sinceramente... se não for isso o que temos que fazer com o nosso lixo, então retiro tudo o que disse até hoje e digo que não sei mais o que é viver...
Atravessei a ponte sem lembrar de ligar o CD. só pensava na feira do dia seguinte: "moço... vc tem chuchu bem novinho?".
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