quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Ruínas



Sou feita de ruínas
Destruídas de si mesmas, sou a forma que me dão
Meu chão guarda em suas tábuas corroídas meus passos que já não sabem ir
Minhas paredes de tijolos ocos ecoam a solidão dos vazios das ante-salas
Nada por ali passa, nada por ali é antes, nada por ali quer ser

Meu telhado de telhas cansadas do sol antigo
Não sabe mais recobrir e expõe em frestas doídas as entranhas do que não quero ver

Tudo ao redor lembra o que até o tempo já esqueceu
Tudo ao redor esquece o que um dia eu fui

Não há luz que ilumine
Não há janela que se abra
Eu entro, passo, saio e só...

Sou afeita às ruínas
Destruidas, ainda conseguem guardar em si a beleza do que um dia foi
Do que um dia o tempo ainda não havia passado por lá
Destituidas da inteireza da novidade, sobrevivem de significados
São do todo, a parte que consegue identificar a beleza da ausência
Foram do tempo, testemunhas da vida que vai, vem e ninguém vê

São desfeitas, só para que sejam em algum lugar,
Quem já não sabia mais

São de mim, o que me basta e o que me falta
São para mim... lugar de achar as partes que me vou deixando pelo caminho...
Imperfeitas... gastas... cheias de marcas...

São minhas ruínas que me fazem recordar
Que o sentido do meu ser não cabe nas pequenas partes destruídas, amputadas
Cabe, sim, nas lembranças imutáveis do que um dia foram.
E no vazio que isso traz...

Paradoxo do caos.
Eu sou.
Desconstruída ruína
Que sabe de si que um dia foi inteira
E que agora não se reconhece mais.

C.B.


Absolutamente



Não
Eu não quero palavras bonitas
Perfeitas, limpas, nem mesmo as benditas
Quero as exlcuídas
Impuras, proibidas
Essas que tem um cheiro de malditas
Quero as que ficam no oco do silêncio
Que não tem som, nem podem ter
Essas que não dizemos, que são o que nos despe e nos entrega
Isso que fica no vão entre a boca e o ouvido
Quero o fruto, o proibido
Quero o silêncio que dá vida aos delírios
Quero o que me oprime,
O que tira o ar dos pulmões
O que coloca sangue em minhas veias
Quero os contrários do óbvio
O que não faz sentido
Tudo aquilo que me exclui
Não quero a palavra que salva
Não arrisco a salvação, pois que não me cabe
Quero os abismos, as profundezas
Os desencontros da alma
Não preciso estar perto de Deus
Perfeição demais, pois que não me cabe
Preciso é sair de mim, de tudo o que me cerca
Não quero a cerca e suas farpas
Quero integralmente
Quero absolutamente
Com fome, sede, gana e pressa
Conjugar o verbo mais oculto em mim

C.B.

Campos de Trigo















"O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando tiveres me cativado. O trigo que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo..."


(Antoine de Sain-Exupéry em "O Pequeno Príncipe")


Eu não tenho os campos de trigo
E, que possa lembrar, nunca estive em um
Nos caminhos por onde cresci, por onde andei, são outros os frutos da terra
Mas tenho o mesmo vento que um dia soprou sobre o dourado dos grãos
E tenho também o dourado dos teus cabelos
E por eles, sinto a beleza dos campos de trigo
E imagino que o vento que barulha lá fora, já esteve no dourado dos trigos...
E porque me trazem você,
Amo o barulho que ele faz...

C.B.
(Para Caio)

Contradição


Por estar tão só, se fez de vários.
A cada momento era um que lhe fazia afronta,
Lhe dava conforto, lhe fazia chorar enxurradas e sorrir convulsões.
A cada dia era um que queria coisas diferentes, pessoas diferentes,
Comidas diferentes, camas diferentes...
A cada pensamento mudava... de um para o outro,
Tentando alcançar a inteireza de tudo o que não podia ser.
Quando o sol se punha, era a lua.
Quando a noite se ia, era a manhã.
Era contradição de si mesmo,

Querendo ser tudo, sabia ser nada.
Era só quando o dia impunha o vazio de seus espaços,
Quando as luzes ficavam do lado de fora,

Quando as vozes ficavam a distâncias inaudíveis,
É que sua solidão saía de suas sombras
Ocupava seus lugares, suas entranhas,
Suas dores, suas razões tortuosas,
E voltava a ser nenhum.
Era a contradição de ser o mesmo.

C.B.